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"Assassinato na lavandeira": contos de horror da pacata Suécia

("Não toque nas minhas coisas!!! "Assassina" na lavandeira checa suas roupas, imagem do artigo de Paddy Kelly, The Local)

Depois de três anos vivendo na Suécia eu percebi esses dias o que está no topo da lista que eles mais amam fazer e mais odeiam:

Número 1 da lista de amor: suecos amam ser pontuais. Amam escolher horário como 9:18 para iniciar uma atividade, gostar de marcar festa com horário de início e horário de término. E de cumprir com o previsto, lógico.

Número 2 do top de amor: Suecos e suecas amam ficar pelados. Em praias, em saunas, em fotos artísticas para álbuns de cds, filmes etc. É sempre um nu natural, sem aquele apelo para o sensual, como nós brasileiros estamos acostumados a fazer e enxergar. O nu sueco normalmente tem uma apelo mais humorístico e tô numa nice e não me importo.

Número 1 do top da lista de ódio: Suecos odeiam gente que atrasa ou os faz ficar atrasados para alguma coisa. O papo pode ser cortado no meio, você será interrompido no meio de uma consulta se seu último minuto tiver chegado.

Número 2 do top da lista de ódio: Suecos odeiam gente que não sabe usar lavandeira comunitária, não respeitam horários e acham que lá dá para ficar numa nice e não me importo com regras.

Isso é o que tem dito minha experiência particular de três anos vivendo aqui e também o que confirmei através do artigo de Paddy Kelly, que escreve no jornal "The Local" e também tem um blog sobre extravagâncias na Suécia.


"Nada causa mais arrepios, tira mais vidas, faz mais ranger os dentes na Suécia do que um quarto sombrio cheio de máquinas de lavar".

Seu artigo que começa dessa forma bem humorada, me trouxe à memória como os suecos, e aqueles que aprenderam com eles a frequentar as lavandeiras comunitárias, mostram mesmo suas garras e tiram aquele sorriso-loiro-de-olho-azul do rosto.


A vizinha simpática pode se transformar numa bruxa que tira suas tripas e as cozinham para o café da manhã. O vizinho charmoso pode se revelar uma criatura mas agressiva que Jason e Freddie, então, só não caia na besteira de reservar a lavandeira para uma sexta feira 13.

Sim, a lavandeira é, como afirma Paddy Kelly, o lugar mais temido para os suecos.

Lavanderia (que em sueco se diz tvättsuga e lê-se tvéttstuugá) normalmente são espaços comuns dentro de cada prédio e condomínio. Mesmo os apartamentos novos e caros possuem uma, ainda que os donos tenham em casa uma máquina de lavar e outra de secar.


(Fotos que tirei das lavadouras de roupa da lavanderia de minha amiga Xu, Malmö, abril de 2009)

Além da praticidade e rapidez há também o fato de que nem todo mundo opta por ter máquinas em casa, ainda mais porque apartamentos na Europa normalmente são menores e não há lavandeira separada como no Brasil. As máquinas ficam ou na cozinha, ou no banheiro.

Pela primeira vez nesse novo apartamento não temos o luxo da lavandeira comunitária, mas temos o luxo de ter uma lavandeira, isto é, um espaço separado onde ficam as máquinas e todo o material de lavagem dentro do apartamento.


(... e da secadora que deixa os lençóis prontinhos, Malmö, abril de 2009)

Na lavanderia comunitária você pode se esbaldar com máquinas gigantes onde fará toda a roupa da semana. Abusará de secadoras rapidíssimas e com milhares de funções com as quais o resultado da lavagem é muito melhor. Secadoras onde se estende aqueles lençóis grandes para depois só dobrá-los, haja vista que na Suécia não há empregada que passe a roupa.


(Cartaz encontrado nas lavanderias suecas com todas as intruções que alguém que nãos seja sueco nunca consguirá entender... foto de outra moradora da Suécia que se espanta com o funcionamento das lavanderias, Anna, in: Wash Post)

Isso tudo você fará com um curso básico de sueco e um bom dicionário na mão. Ou você arrancará seus cabelos e encolherá suas roupas até descobrir como funciona cada botão, como eu fiz nos primeiros meses que estava aqui.

Mas isso, eu lhe garanto, não é problema algum considerando-se os que você terá depois na convivência com os outros usuários desse incrível espaço.

A lavandeira comunitária parece um sonho. Fica dentro do seu prédio. É grande. É sua. É organizada por uma tabela com seu número de apartamento no qual você faz a reserva com a uma chave especial. Bem, ela deveria ser organizada.


(Painel de reservas de chaves da lavanderia, Anna, in: Wash Post)

O problema das lavanderias comunitárias é que normalmente tem alguém que não segue devidamente as regras (e elas são muitas, sempre escritas em grandes cartazes afixados na parede) que mantém a limpeza, organização e boa convivência do lugar.

Há aqueles que atrasam a lavagem e pegam seu horário, apesar de saberem que o deles já acabou. Há os apressadinhos (esses eu conheço bem do prédio onde morei antes) que chegam no seu horário e deixam sua grande sacola azul do IKEA com suas meias e cuecas sujas, apesar de ainda ser o seu horário.

Há também os perfeccionistas que se irritam muito com qualquer atitude fora do padrão - ou que eles considerem fora do padrão. Esses são especialistas em escrever recados em várias línguas diferentes, porque obviamente se ouve um erro no padrão deve ser de alguém que não conhece direito as regras. E quem naturalmente não conhece uma regra tão clara da cultura sueca? Evidentemente aquele que não é sueco. Ou seja, moá aqui. Essa foi a conclusão que cheguei depois de alguns episódios que me tiraram do sério. Vejam que ódio gera ódio e preconceito (ou idéia de que há preconceito) gera preconceito.

Um dos primeiros bilhetinhos que puseram debaixo de minha porta foi de uma doente que disse que deixei um pozinho no chão e na secadora... Não fazia idéia do que ela dizia. Eu havia limpado absolutamente tudo quando tinha saído... mas é claro que eu não poderia esclarecer o ocorrido porque a criatura corajosa não havia assinado o bilhete. Ela sabia quem eu era, eu não fazia idéia de quem ela fosse.

Bom, passei adiante. Gente besta existe em todo canto e todo mundo tem lá seu probleminha com um certo tipo de toque... então...

Há um ano e meio atrás, tinha feito a lavandeira do dia quando volto para retirar minhas roupas secas das imponentes máquinas e vejo algumas sacolas de roupas alheias misturadas as minhas. Além disso, minhas roupas haviam sido jogadas num cesto qualquer da sala e roupas de outrém já estavam sendo lavadas. Junto, um bilhete em inglês muito grosseiro dizia, em linhas gerais, que eu deveria olhar o relógio da próxima vez e controlar meu horário, porque a tal pessoa tinha sido totalmente atrapalhada pela minha falta de organização.


(Bilhetinho do tipo que se escreve nas lavandeiras suecos que diz mais ou menos assim: "Dá um tempo! Roubando tempo na lavanderia! Agendou para o dia inteiro, você precisa disso!?.. porque eu... blá blá blá, imagem do artigo de Paddy Kelly, The Local)

Fiquei pasma, branca como minhas as meias secas em minha frente, e olhei para meu relógio: ainda faltavam 20 minutos para meu horário acabar.

Voltei em casa chequei a hora no outro relógio. E na internet e em tudo... Eu estava certa! Como é que podia? Xinguei todos os nomes que sei em português, inglês e em sueco e recolhi todas minhas coisas.

Tive vontade de deixar veneno de rato na lavandeira comunitária para matar todos os suecos que odiavam estrangeiros. Fiquei com aquela coisa de "ó coitadinha de mim, a única brasileira no prédio cheio de suecos, dinamarqueses e noruegueses...."

Veneno de rato não tinha jeito, então eu deveria pensar num plano melhor, mas qual se eu não sabia quem era a pessoa. A chave dela não trazia nenhum número identificável e tive que engolir minha frustração. Engoli num post meio genérico sobre os suecos, já que eu não conseguia entender exatamente o que havia ocorrido e minha cultura sobre as lavanderias ainda era limitada...

Engoli por uma semana porque uma semana depois, a loira e esmilinguida vizinha dinamarquesa que, até então eu achava uma simpatia, me diz assim ao cruzar comigo no jardim: "Oh... me desculpe pelo Klaus (o marido dela que também é dinamarquês)! Ele estava tão nervoso aquele dia que confundiu o horário..."



- WHAT??? O quê? Exclamei surpresa em tom do tipo "não acredito que descobri o criminoso!" Foi ele?
- Ah... então... foi um engano, tentou consertar ela que percebeu que eu ainda não sabia quem havia escrito o bilhete...

E ela tentou lá se desculpar, protegendo o marido, claro! Mas eu falei com to-das-as-le-tras-em inglês que não aceitava aquele tipo de comportamento. Ele sabia que era eu. Podia ter batido na minha porta. Éramos vizinhos caramba! E, mais, nem por um minuto ele não tratou de checar se o erro poderia ser dele, mas ao contrário, deduziu que só poderia ser meu! E que a mensagem dele e a covardia eram vergonhosas.

Resultado: ele não falou mais comigo e ela ficou meio esquiva. Depois de um tempo ficou normal de novo e eu tive de engolir minhas primeiras fúrias contra suecos. Os filhos da mãe eram dinamarqueses... mas tudo bem, sueco e dinarmarquês para quem vem do Brasil é tudo igual à primeira vista...

Vejam que preconceito gera ...

O tempo passou. Superei. Ou não... Quase matei e quase fui morta, mas a gente sobrevive.

Dia desses, na lavanderia de minha amiga Flávia, que vive em outro bairro, encontrei um bilhete que um sueco havia escrito em sueco metendo o pau em quem havia feito a lavandeira antes dele. "Eu cheguei depois de você no dia tal, hora tal, e você tinha deixado tudo na maior sujeira! Limpe o chão, limpe as máquinas, tire os restos de pózinho, a lavanderia não é só sua!"... E também não tinha assinatura.

De modos que isso tudo só me faz concluir que o problema não era comiga. E nem era porque eu era brasileira. O problema é aquele quarto frio cheio de máquinas que transforma as pessoas...

Só sei que se ainda não foram achados restos de ossos em alguma lavandeira por aqui deve ser porque as mortes que acontecem na surdina são bem mascaradas pelo barulhos das grandes máquinas e porque o pessoal faz um serviço limpinho que só.

Na próxima vez que frequentar uma lavanderia sueca tenha cuidado com o monstro pelado cor de rosa de olhos azuis e não se esqueça de seguir corretamente o protocolo, porque para ser o assassino ou assassinado numa tvättsuga basta ser frequentador de uma.

Comentários

Anônimo disse…
Eu achei engracado, visto que já me deparei com situacoes onde os suecos engolem secos certas atitudes de "estrangeiros mal-educados" ou servicos suecos de má qualidade e nao fazem nada, nao protestam, enfim, nao metem a boca no trombone. Agora escrever bilhetinhos anonimos, isto realmente mostra um lado covarde que eles encobrem por tras dessa falsa simpatia a primeira vista.
Mariana disse…
Aqui no Canadá esta história de lavanderia também é um problema. Tudo bem que em uma cidade como Toronto, onde quase 50% da população é imigrante a gente acaba adimitindo que são eles os culpados, rs.
Aqui em casa tem duas meninas nos basements. Uma delas é "porquinha" mas parece um gato de tão quieta. Se por um lado não ajuda muito, por outro também não reclama de nada. A outra, é canadense born and raised (ela adora dizer isso). Esta é uma porquinha reclamona. Mas é covarde, ao inves de bater na minha porta, ela reclama com o dono da casa. Pior, ela desconta do aluguel qualquer coisa que tenha que fazer que ache que não é obrigação dela.
Eu já passei muita raiva com ela por aqui e engoli em seco, afinal, ela é born and raised. A semana passada o dono da casa veio me contar que já entregou uma cartinha a ela pedindo a casa, porque não aguenta mais as reclamações e me pediu pra ficar de olho porque tem medo que ela destrua tudo, rs. Meu problema agora é imaginar quem vai ser o novo usuario da lavanderia, rs.
bj
Beth/Lilás disse…
Ah, tive que rir desse teu lado drrrrrrrramático!
Eu se fosse tu aprendia rapidinho esta bendita língua e começava a deixar bilhetinhos também. rsss
Acho que isso faz parte desse lance de lavar roupa comunitariamente, de repente é um 'up' pra não ficar uma coisa muito maçante, muito mecância, tá me entendendo.
Eu me lembro do post que vc reclamou dos suecos, agora entendi melhor.
beijocas cariocas


PS: Lendo hoje O Globo, vi uma notícia que te interessa:
"Retrospectiva Anita Malfatti-120 anos- a mais importante já organizada, que acontece desde ontem, até o dia 25 de abril no CCBB em Brasília".
São obras de mais de 70 colecionadores particulares e museus, uma Anita que poucos brasileiros conhecem. Tem até uma tela "Retrato de Oswald de Andrade" da coleção de Jorge Amado e que foi vendida por cerca de 1.5 milhão de reais.

Achei que vc gostaria de saber.
beijos
Somnia Carvalho disse…
Anônimo, eu também acho covardia escrever bilhetinho e não assinar...

demais!

voce vive aqui tambem?

então... acho que não é que eles sejam falsos, juro que não acho isso... acho que eles são na deles.. .sao simpaticos com a gente, mas tentativa de aproximacao sem ser convidado nao.. e os bilhetes tem a ver com a cultura deles...

tipo nao me envolvo, nao preciso me apresentar e ser seu amigo para chamar sua atencao...

estranho ne?
Somnia Carvalho disse…
Marilena,

fiquei ate confusa ao ler o comentario, porque eu nao entendi direito o funcionamento da "casa" como voce chama... e tipo um predinho com muitos apes???

pareceu bem diferente do que to acostumada... ou nao e nao?

entao... engracado que esse negocio de ser limpinho e maior maluco porque no fundo todos os brasileiros que conheco acham os suecos e os europeus em geral sujinhos, com padrao de limpeza inferior ao nosso...

mas eles se orgulham do padrao deles...
Somnia Carvalho disse…
Lilasona,

que noticia linda essa da Anita!

na verdade o cara que estava na minha banca, o Tadeu Chiarelli, queria organizar essa retrospectiva ha muito tempo e nao rolava... nao entendi porque sera em brasilia e nao em sao paulo ... rs...

putz vou fucar pra saber mais, vai que eu estou no brasil!

entao... eu fui dramatica!? eu sou mesmo...
Danissima disse…
Somnia querida,
lavanderia compartilhada eh uma merda!!!!
bom mesmo eh ter uma maquina dentro do ap, luxo dos luxos, pra nos asiladas ;-)
beijos
Cintia Thatcher disse…
O seu toque dramático ficou hilário... Adorei!!!

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